A importância da partilha
- Onivaldo Coutinho

- 11 de set
- 5 min de leitura

O ser humano é dependente de outro ser humano, e isso não é um problema. Crescemos ouvindo que precisamos ser fortes por nós mesmos, o que também não constitui um problema em si. A grande ideia por trás disso é que, quando você se desenvolve por conta própria, acaba se tornando uma pessoa mais responsável por várias atividades e consegue resolvê-las sozinho.
No entanto, o grande problema reside no fato de que a maioria das atividades humanas não pode ser resolvida sozinha. Basicamente, você chegou até este lugar porque considerou experiências alheias e recebeu ideias compartilhadas por outros. Temos negado essa partilha de informação através da conversa humana.
Hoje, o ser humano dedica muito tempo a pegar determinadas informações e frases daqueles de quem gosta, saindo por aí compartilhando como se fossem a única coisa importante no mundo. Isso acontece sem levar em consideração que ele pode conversar com outras pessoas e tentar entender melhor as questões. Essa partilha, quando bem feita, funciona.
Um dos principais pontos dessa cultura imediatista do individualismo é nos colocarmos como pessoas úteis. Atualmente, muitas pessoas idosas que estão fora do mercado de trabalho, por exemplo, não se sentem mais participativas da comunidade. E isso é um grande problema da saúde mental dessa pessoa, pois o utilitarismo quando não chega na conquista do conforto, se torna ainda mais assustador internamente essa necessidade de se provar útil. Esses indivíduos só se sentirão participativo se tiverem acumulado riqueza suficiente para não se sentirem mal por não estarem trabalhando. Essa, porém, não é a realidade da grande maioria dos brasileiros.
Muito pelo contrário: desde a escola, crescemos ouvindo que precisamos ser os melhores. Novamente, isso não é um grande problema. O grande problema é que isso é alimentado enquanto outros aspectos do desenvolvimento não são cultivados. Esse ser melhor nunca está associado com a partilha do que é estar nesse lugar que se chegou, esse lugar "vitorioso", mas sim de conter essa informação e deixar que o outro se esmigalhe tentando decifrar desafios que já se descobriu o caminho. Isso trava não só o desenvolvimento daquele ser em si, mas de toda uma comunidade que perdeu o contato com uma fagulha que poderia surgir dessa partilha. Por exemplo: quando sou melhor, para que serve eu ser melhor sozinho?
Quando partilhamos conhecimento com outra pessoa, uma das coisas mais interessantes que acontece é que esse conhecimento se conecta com outras formas de ver o mundo. Provavelmente você já leu um livro, assim como outras pessoas leram o mesmo livro. Se vocês conversarem sobre esse livro, talvez não tenham sempre a mesma opinião sobre todos os personagens ou sobre a obra como um todo.
Existem muitas obras literárias que falam sobre situações muito problemáticas da sociedade e do mundo, mas que, por algum motivo, não preencheram a vontade de ler de várias pessoas. E está tudo bem. O grande problema surge quando acreditamos que, ao aprender algo, precisamos guardar esse conhecimento porque ele é valioso e precisa ser vendido em algum momento. É compreensível o porquê isso acontece. Mas é desastroso do ponto de vista de potencializar a espécie humana.
O grande problema é que, toda vez que tratamos o conhecimento como uma mercadoria, tornamos aquele conhecimento obrigatoriamente útil de forma imediata para alguma coisa. E o problema fica ainda maior quando você é quase "obrigado" a fazer isso, pois precisa vender seu conhecimento.
Muitas vezes também, um professor pode querer levar uma informação adicional para dentro da sala de aula, mas talvez aquilo não caiba mais porque esse conhecimento extra não é importante para o vestibular.
Esses dias, pela internet, vi um menininho se questionando da importância de aprender ou não sobre Aristóteles.
Essa cultura do utilitário - de só usar aquilo que vai te desenvolver finaceiramente e te ajudar a chegar em algum lugar - tem matado a maior arma que o ser humano possui. Essa mesma capacidade foi usada para sobreviver em um mundo extremamente diferente do que conhecemos hoje, um mundo onde a comunicação com outros animais não era só brincadeira de tutor e pet, mas literalmente entender o que eles estavam prestes a fazer para ter uma reação melhor.
Provavelmente hoje não conseguimos nem decifrar o movimento inicial que determinado animal fará quando vai nos atacar. Não convivemos mais com isso nem temos a partilha dessa informação com outras pessoas. Muito provavelmente achamos que isso é conhecimento inútil. Talvez ele seja inútil hoje, se formos pensar sobre aplicá-lo no imedianto se você mora no urbano, mas para que serve o conhecimento senão para nos ajudar a chegar a outros conhecimentos? É essa partilha que faz você desenvolver pontos de vista que não tinha. É essa conversa sobre o conhecimento que você tem - que você acha que só você possui - que, quando compartilhado, faz você perceber que outras pessoas chegaram à mesma conclusão, só que por caminhos diferentes. Isso está se esvaindo enquanto essa nossa capacidade comunicativa tem sido usada apenas como papagaio. Só repetindo.
Só que essa conversa não existe mais. Ela tem sido modificada e substituída por algum tipo de diálogo interno ou somente com ideias que são facilmente digeríveis. Quando essas ideias se tornam complicadas demais, elas se transformam em algo muito chato e muito distante do que queremos ter.
É aí que entra a individualidade. A individualidade tem feito com que cada vez mais nos impregnemos de ideias que nos façam pertencer a determinado grupo, nem que seja só para nos sentirmos úteis e vivos. Não estamos naquele grupo porque queremos conhecer aquelas pessoas; estamos naquele grupo porque gritamos a mesma frase juntos. E isso nos torna tão especiais, igualmente estagnados, mas especiais juntos.
Isso não significa que conheço aquelas pessoas ou que sou amigo delas. Isso significa que partilhamos uma frase em comum, como dois papagaios ou duas araras cantando no meio de uma selva urbana. É nisso que nos transformamos: animais que ficam repetindo frases e informações que acham que sabem alguma coisa, mas que, tirando qualquer conhecimento utilitário, não têm nenhum desenvolvimento.
Um dos maiores problemas disso é que, quando quebramos essa comunicação e essa partilha do conhecimento, deixando que isso fique sob responsabilidade só da escola ou só da internet, acabamos segmentando basicamente tudo aquilo a que teremos acesso.
Mas existe algo mais incrível do que ser invadido ou desafiado por uma ideia sobre a qual você sequer tinha noção? Infelizmente parece que sim, alguém conseguiu nos convencer que o utilitário imediato é o suficiente. E seria nesse ponto que a partilha desenvolve a humanidade. Quando você é confrontado, é levado a pensar por outro caminho. Quanto mais cristalizamos em nossa cabeça que só existe um caminho, mais negamos a realidade ao nosso redor.
A maior importância de reconhecermos nossa necessidade - e precisamos reconhecer isso - é que o ser humano é um animal de grupo, de bando, que precisa de comunicação. Toda vez que você vive um grande momento, a primeira coisa em que pensa é contar para alguém. Toda vez que passa por uma situação muito ruim, também quer contar para alguém.
Só que alguém tem nos dito todo dia que isso é ruim: que é ruim contarmos nossas falhas, que é ruim procurarmos reconhecer nossos erros, que é ruim compartilharmos as informações "preciosas".
Quem quer que o ser humano pare de se comunicar com o próprio ser humano e de partilhar suas próprias experiências? Se isso é o que faz o ser humano ser mais forte como espécie e como ser vivente?

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