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A OPINIÃO COMO ÚLTIMO BEM: REFLEXÕES SOBRE A NOVA ECONOMIA DO DISCURSO

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Vivemos num tempo paradoxal. Nunca se produziu tanto, nunca houve tantos bens circulando pelo mundo, e simultaneamente nunca foi tão difícil para o brasileiro médio acessar esses bens. Casas, carros, eletrônicos sofisticados — tudo isso existe em profusão, mas permanece distante da realidade material da maioria das pessoas. É nesse vácuo entre a abundância visível e a escassez pessoal que surge um fenômeno peculiar: a opinião como último bem disponível.


A internet inaugurou uma economia inteiramente nova. Mas ao contrário dos mercados tradicionais, onde se trocam bens materiais, este novo mercado opera com uma moeda diferente: a opinião. Cada like, cada compartilhamento, cada comentário alimenta uma engrenagem que transforma perspectivas em valor, discursos em capital simbólico.


Nesse ambiente, o cidadão sem acesso aos bens materiais encontra uma forma de participação. Ele não pode comprar o carro, mas pode criticar a cor desse carro (sendo de outra pessoa), a internet passa uma sensação fugaz de que você participa daquele momento, mas você só simula. Não pode adquirir a casa dos sonhos, mas pode julgar a decoração daqueles que a possuem.


A opinião torna-se o único bem verdadeiramente democrático — disponível para todos, independente da condição socioeconômica.


Há algo profundamente melancólico nessa dinâmica. O brasileiro médio vive uma utopia de consumo que jamais se concretizará. Muitos da nossa geração não terão casa própria — talvez nem mesmo de aluguel. Não terão carro, não possuirão os eletrônicos mais sofisticados. Mas terão opiniões abundantes sobre todos esses bens inacessíveis. Opiniões sobre realidades que eles sequer buscam entender o mecanismo, apenas aceitam o viver e sua opinião basta para ser. Então o discurso é a única saída de se sentir pertencente.


Isso é o resultado de uma estrutura econômica que concentra a propriedade material enquanto democratiza o acesso ao discurso sobre essa mesma propriedade. O cidadão torna-se especialista naquilo que não pode ter, crítico daquilo que não pode experimentar.


O mais brutal nessa economia da opinião é quando ela se cristaliza em afeto.

A opinião se torna um bem a ser protegido, uma joia que não se pode permitir que seja roubada. Quando isso acontece, as pessoas param de pensar e passam apenas a defender territorialmente suas perspectivas.


Nesse estágio, a opinião funciona como qualquer outro bem de consumo: gera apego, ciúme, necessidade de proteção. As pessoas estagnam intelectualmente porque mudanças de perspectiva são percebidas como perdas materiais. Só se movimentam quando aquele que originalmente "vendeu" a opinião — o influenciador, o líder de opinião, o algoritmo — oferece uma nova versão desse produto.


Como observado em obras como "A Polícia da Memória", o mundo material parece estar em constante desaparecimento para grande parte da população. Não no sentido de que os objetos deixem de existir, mas de que se tornam progressivamente inacessíveis para a maioria. Antes, como a informação era mais comunitária e não global, um fato extraordinário fora daquele contexto jamais levaria tanta atenção populacional. Mas com a internet isso muda, pois um desejo que a gente nunca poderia imaginar que teria, começa a virar uma meta ou uma ofensa infernal que precisa ser destruída, por meio de palavras áridas, ácidas, aguerridas de muita paixão.




A opinião como um bem revela uma sociedade que encontrou na dimensão discursiva uma válvula de escape para frustrações materiais e constantes. É um fenômeno que merece ser compreendido com a seriedade de quem reconhece uma nova forma de organização social.


Talvez o desafio do nosso tempo seja encontrar formas de reconectar o mundo das opiniões com o mundo das possibilidades materiais, para que o discurso volte a ser ferramenta de transformação e não apenas consolação para o que não se pode ter.

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